Foto de Alto Caparaó, mais precisamente do Pico da Bandeira...
“A Arte da Prudência - Parte 2 ou, Como evitar grandes contratempos tomando pequenas precauções. - 01/01/01”
“Cabalística a data aí em cima, não? Mas este não é o assunto desta pequena história. Quanto ao título, remete à obra do jesuíta espanhol Baltazar Gracían, que em meados do séc. 17, em 1647 para ser mais preciso, escreveu este tratado que, como já diz o nome, dava alguns conselhos para que o leitor não se desse mal. Coisa de grande valia naqueles tempos, mas que hoje em dia soa um pouco anacrônica. De qualquer maneira deixo aqui registrado este adendo, e, como diria o poeta Dante, “Ó vós, que tendes aberta a inteligência, buscai perceber o sentido exato que nestes versos, por vezes, está oculto!”
Estava eu em minha casa, sozinho, na noite do dia 31/12/00, quando recebo uma ligação. Era o Kim, me chamando para sair. Como não estava fazendo nada, topei. Cerca de meia hora depois, chega a trupe: Fábio, Andréia (namorada do Fábio), Fred (irmão do Fábio) e o Kim (amigo do Fábio). Debaixo de uma chuvinha fraca, partimos.
Quando chegamos ao bar, que tem o nome de “7 Cumes”, a primeira surpresa (e quem sabe um presságio para que nós voltássemos a nossas casas): boteco fechado. Kim, que atualmente faz o curso de turismo, não se deu por abatido. Utilizando-se dos seus conhecimentos geográficos (que atualmente lhe permitem indicar, com margem de erro quase nula, a localização de TODOS os radares da Região Metropolitana de Belo Horizonte, assim como seus respectivos limites de velocidade, data de instalação, modelo, fabricante, preço e outras informações não tão úteis assim. ), deu outra sugestão, um bar chamado “Peleje”. Lá também haviam mesas de sinuca (objetivo da galera), e apesar do inconveniente preço da cerveja, até que é um lugar legal. Jogamos algumas partidas, sendo que uma dupla era formada por mim e o Fábio, e a outra pelo Fred e o Kim. A Andréia ficou só observando. Depois da “sessão feijoada” promovida pelos nossos adversários, e auxiliados em nossa decisão pelo já mencionado exorbitante preço da cerveja, decidimos que era hora de partir.
Dirigimo-nos à Praça da Liberdade, uma vez que a noite ainda era uma criança. A praça ainda ostentava a decoração de Natal, que, frescuras à parte, estava muito bonita. Devemos ter ficado lá por mais uma hora, jogando conversa fora e contando velhas histórias do colégio. Eu, o Kim e o Fábio estudamos no mesmo lugar. Depois o Kim mudou de escola, mas eu e o Fábio nos formamos no mesmo ano. Quando as pernas começaram a ficar doces, fomos embora. Ou assim pensei.
O Fábio perguntou ao seu irmão se conhecia a Serra do Rola Moça, e diante da negativa de seu irmão, prontificou-se gentilmente a levá-lo até lá. Ainda paramos mais uma vez, para abastecer. Já passavam das 3 da madrugada. Depois de muitos minutos em estrada de terra batida, chegamos ao lugar, que é deveras longe. Confesso que também não conhecia a tal serra, mas é um lugar muito bonito. Paramos num dos pontos mais elevados, de onde se pode vislumbrar toda a Grande Belo Horizonte. O efeito da neblina sobre a cidade também era ducaralho, e vai ficar na minha memória. Lá descobri que o Fred estava fazendo as provas finais do seu curso de vândalo. Primeiro, ele tentava a todo custo, rolar algumas pedras pela encosta (estávamos na beirada). Coisa que me intrigou, visto que, devido à escuridão, não conseguíamos nem mesmo VER as pedras. Depois, a vítima foi a guarita de madeira que ficava lá. Com exceção da portaria do parque, era a única construção que vi durante todo o caminho. Averiguamos o interior da guarita, a cata de dejetos humanos ou quaisquer coisas que impossibilitassem nossa entrada lá, com nossos celulares servindo de lanterna. Encontramos apenas alguns cacos de vidro, provenientes de uma das janelas, que, verdade seja dita, não foi quebrada pelo nosso demolidor particular. Eu e o Kim saímos, mas não antes de presenciar uma cena mais esdrúxula ainda. Fred arremessava os cacos de vidro como se fossem “frisbies”. O legal é que, se naquele breu não enxergávamos nem as pedras rolando, como iríamos ver o vidro, que é TRANSPARENTE, voando? E como se isso não bastasse, ele, após alguns chutes e urros dentro da pobre edificação, ainda conseguiu colocar a cabeça do lado de fora, por um buraco que até momentos antes, não existia. Mas isto é perdoável, já que o lugar é propício ao surgimento de emoções extremadas. Apesar da vista bonita, já era tarde e começava a fazer frio. Entramos no carro. Descemos, mas na hora de subir a primeira ladeira, a surpresa: o carro morreu. BOSTA!
Todos se perguntavam o que poderia ter ocasionado o mau-funcionamento do veículo. O Fábio ainda tentou ligar o carro mais algumas vezes. Nada. Foi quando o Fábio teve uma estranha reação. Primeiro abriu a janela e olhou para o céu, como aqueles que se lamentam direto ao Todo Poderoso. Depois, abriu a porta do carro, saiu, pôs as mãos na cintura e ficou lá, parado, olhando para o Grande Nada. Entrou no carro, sentou-se, apoiando a cabeça no encosto do banco e daquele jeito ficou. Inquirido por todos, aproximou-se bastante do painel, como se tentasse enxergar uma coisa muito pequena, e, depois de afastar e aproximar a cabeça do painel umas três vezes, num vaivém que tornaria o momento que se aproximava mais ridículo ainda, declarou, tetricamente:
- É galera, o álcool acabou.
- Mas como? Cê não parou no posto pra abastecer? - perguntaram todos, quase em uníssono.
- Eu coloquei só 2 reais. Pelas minhas contas ia dar. - declaração que não soaria tão irônica se não viesse de um futuro matemático.
O ar esquentou dentro do carro. Fábio deve ter agradecido muito a presença de Andréia naquele momento. Foi a única coisa que o isentou de uma “sessão”. Como na vinda, grande parte do caminho era composta por subidas, que obviamente se tornariam descidas na volta, optamos por empurrar o carro. Conseguimos andar um grande pedaço com o carro na “banguela”, até que deparamo-nos com outra subida, muiiiiiito maior do que a primeira. Tentamos empurrar o carro, mas a subida era grande e não tivemos forças. Numa atitude heróica (pelo menos isso), Fábio disse que iria até o posto Chefão, o mais próximo, buscar álcool. Andréia, como era de se esperar, ofereceu-se para ir com ele. Confesso que fiquei um pouco preocupado após o casal desaparecer por entre as sombras. Explico: O resultado da equação “namorados apaixonados + escuro + muito mato” não seria dos mais convenientes, dado às circunstâncias. Já eram 4 horas.
Sem nada para fazer, eu, Kim e o Fred entramos no carro. Passados alguns minutos, dormimos. Ou tentamos. Como não poderia deixar de ser, a mazela da humanidade, a 8º praga do Egito, apareceu. Dizem que se pode achar um brasileiro em qualquer parte do globo. Discordo. Não vimos nenhum enquanto esperávamos, mas, em compensação fomos saudados por um batalhão dos malditos pernilongos. Eles sempre aparecem! Acho que, guardadas as devidas proporções, não é só Deus que tem o dom da onipresença. Seria até engraçado ficar vendo os caras se coçando sem parar, se eu também não estivesse sob ataque. Quem se fodeu, no bom sentido(?), foi o Fred. Era o único que estava de bermuda, ou seja, um prato cheio para os vorazes bichinhos. Passado algum tempo, os pernilongos já não incomodavam tanto, e realmente caímos no sono. Na verdade, eu só cochilava, visto que dormir no banco da frente de um carro não é lá muito confortável.
Confesso que, durante aquela hora e meia que ficamos ali, no meio do nada, esperava que algo acontecesse. Só não sabia o quê. Porém, nada me preparou para a experiência vindoura.
Acordei, pela décima segunda vez. Foi quando ouvi o barulho. Não me envergonho em dizer que em poucos segundos, as contrações do meu esfíncter chegaram a marca das 10.000 por minuto. Era um barulho estranho, que parecia vir debaixo do carro. Cutuquei o Kim, que tomou um susto e quase ficou pregado no teto do carro, para saber se ele também ouvia. Mal tivemos tempo para olharmos um para o outro quando, de repente, tive uma visão muito mais estranha do que qualquer disco voador ou chupa-cabras que se possa imaginar.
Ao meu lado estava o Fábio (após evitar, por pouco, uma colisão com o carro) , montado em uma bicicleta (Monareta ou Cecizinha, sei lá. Notei apenas que era um modelo feminino), numa posição que faria inveja a qualquer iogue experiente: sentado na garupa da bicicleta (que possuía selim!), com os braços totalmente esticados, e um dos pés servindo de freio. As costas, descrevendo um arco sobre a “bike”, eram o toque final, que lhe conferia um ar totalmente alienígena. Pouco depois, viemos a saber que aquela esdrúxula posição tinha uma razão de ser. Utilizou-se deste artifício porque não tinha como segurar a garrafa plástica que continha o álcool. Sendo assim, brilhantemente, colocou-a sobre a garupa e sentou-se em cima dela. Nesse meio tempo, Fred, dormia serenamente, portando-se como um faquir às avessas, enquanto era comido pelos pernilongos (no bom sentido, claro).
Soubemos que a busca ao álcool constituiu-se de uma aventura à parte: imagine o Fábio sendo perseguido por matilha de cachorros, na ida e na volta, em cima de uma bicicleta sem freios e sentado em cima de um “pet” de
O sono e a vontade de ir embora nos impediam de raciocinar corretamente. Como levaríamos a bicicleta? Dentro do carro não tinha jeito, visto que toda a ceia de Ano Novo da família do Fábio e do Fred estava dentro do carro. Foi aí que um gênio teve a idéia de alguém ir segurando o guidão da bicicleta de dentro do carro. Eu fui o felizardo. Foi só quando a bicicleta começou a pular mais que pipoca em panela quente, que percebemos que aquele não era um método recomendável. Tentou-se outro, menos estapafúrdio, mas com resultados tão cômicos quanto o primeiro. Fábio foi em cima da bicicleta, com uma mão no guidão e outra na janela do carro, enquanto o Kim dirigia. A cada cinco segundos ouvia-se “Cuidado Kim!”, ou então “Ô Kim viado! Cê não sabe dirigir não?”.
Chegamos à portaria, pegamos a Andréia, devolvemos o “camelo” e despedimo-nos dos prestativos e sonolentos vigias. Obviamente, paramos para abastecer o carro. Com mais de dois reais de combustível. E mesmo assim ele começou a ratear quando chegávamos em casa.
MORAL DA HISTÓRIA: Crianças, jamais deixem de escovar os dentes após as refeições, rezar para o papai do céu, fazer o dever de casa (ou a lição - fica a gosto do freguês) e de conferir o tanque antes de ir lá onde o capeta não vai. E nunca, mas nunca tentem fazer isso em casa!!!”
Sem a permissão do Autor, Massula Jr., Coloco esta pérola dos contos verídicos no meu blog. Não me processa não, tá Massula???
Kim
Um comentário:
Tá na roça, véi! Vou descolar uma motoca na faixa.
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